sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O meu desjejum, um descendente do “Bichinho da maçã”

"Não deu outra! Poucos dias depois
ele sentiu sua casa tremer
logo em seguida ouviu um estalinho e percebeu tudo:
sua maçã e ele acabavam de ser colhidos do pé"
(Ziraldo, no livro O Bichinho da Maçã)




Há muito tempo (faz mais de dez anos) conheci o “Bichinho da Maçã”. Ziraldo narrava, em frases curtas e ilustrações de cores generosas, a história dessa “minhoquinha”. Eu assim a chamava, pois era tão simpática a bichinha. Ela morava dentro do fruto. Por um buraquinho redondo mostrava seu semblante sempre sorridente. A maçã desenhada pelo escritor jamais pareceu podre, tal qual o cereal que comi na manhã de 19 de dezembro de 2008, válido até às 11h59 de 5 de março de 2009.

A larva da história infantil decidiu migrar. “Para que uma maçã se posso conquistar os produtos industrializados, que têm validade prolongada em relação aos da natureza”, ela deve ter se questionado. Logo seus primos, filhos, filhas e outros membros da família resolveram se mudar. Conquistaram barras de chocolates, bombons de marcas sofisticadas, barras de cereais...

O clã do “Bichinho da Maçã” viajou pelos produtos milhares como os piratas descobridores dos sete mares. Um dos decendentes da larva aportou no leite do meu café da manhã. Era uma inquilina do pacote de “Chocolate & Musli”. Sem que nem eu e nem ela quiséssemos, caiu na xícara. Quase a degustei junto aos flocos de arroz e outros grãos crocantes que deixavam a colher rumo a minha boca. Não sei se um de seus parentes se foi nessa jornada de deglutição. Estimo que, se ela tiver deixado descendentes no pacote, eles lá permaneçam, pois jamais tive a intenção de tirá-los do lar.

A larva jaz em um guardanapo branco sem lápide nem epitáfio. O fabricante de sua casa, que atende em um zero oitocentos, ficou muito comovido, tanto que enviará uma caixa do mesmo produto para o meu endereço. Em troca, pede que eu devolva a outra, na qual morava a descendente do “Bichinho da Maçã”. Os restos do cereal matinal que comprei pertencem ao lote nº 06068/1 da marca Trio e serão encaminhados para estudo.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Soltar a Franga

Há pouco mais de um ano, eu tinha um objetivo muito claro: controlar o mundo ao meu redor. Resolvi soltar a franga quando me dei conta de que meu perfeccionismo (herança de família) beirava a paranóia: separar as roupas por cor jé era exagero.


Quando criança, não entendia como minhas amigas tinham coragem de cortar o cabelo das bonecas. Lembro que quando ganhei a tão sonhada Susi Veterinária (eu achava o máximo o fato de minha mãe ser uma verdadeira Susi veterinária), eu tinha medo de brincar com ela; poderia estragar. Todos os meus brinquedos eram contabilizados e catalogados; desde os gibis da Turma da Mônica até as notinhas de dinheiro do Jogo da Vida. Tenho uma nítida lembrança da cena de caos que se desenrolava diante de meus olhos no colégio: canetas sem tampa, lápis roídos, cadernos rasgados e rabiscados. Quando via algo assim, tinha vontade de abraçar a minha intacta apostila, tão minuciosamente encapada com papel contact.


De repente, me dei conta de que não podia passar a vida inteira brigando com quem colocasse a ponta do papel higiênico voltada para baixo, ou apertasse o meio do tubo da pasta de dente. E organizar os CDs em ordem alfabética e as revistas por número de edição (não necessariamente os meus CDs e as minhas revistas) era bastante trabalhoso.


Acho que foi quando eu comecei a namorar um cara que não tem medo de jogar a toalha molhada no chão (nem mesmo na minha frente) que eu consegui relaxar. Suspirei de alívio quando percebi que podia guardar um CD com o projeto gráfico de cabeça para baixo, ou escrever com canetas de cores diferentes no meu bloquinho. Até colei um adesivo na minha guitarra (na parte de trás, é claro!) Agora, depois de dois semestres de “Melattis” e “Marílias” ditando as “regras” para redigir um perfeito texto jornalístico, estou tetando soltar a franga outra vez. E, apesar de estar adorando escrever frases longas, tem uma coisa que não sai da minha cabeça: meu texto não vai ser revisado.